segunda-feira, 23 de março de 2009

Alunos com necessidades educativas

Alunos com Necessidades Educativas e Deficiência
Do desatino ao desespero
Manuel Miranda
Desabafo de uma mãe de um filho com deficiência: “Estou cansada de ter que andar sempre a batalhar por algo que devia ser óbvio e natural e estou revoltada com o retrocesso nas leis que gerem os direitos dos deficientes em Portugal.
Não imagina as voltas que tenho dado para conseguir uma vaga num centro ocupacional para o meu filho, pois ele já está com 18 anos e em breve terá de deixar a escola. E o pior é que se o cenário já é negro para o meu filho, nem quero imaginar como será para miúdos mais novos que ele, a quem tem sido negado o direito ao ensino especial porque alguém entende que quem deve ter acesso ao ensino especial são casos hospitalares e não educacionais. Acredito que estas são questões de relevância e que devem ser cuidadas pelo Estado e não pela solidariedade de quem já todos os dias luta pelos seus direitos”.
Transcrição de um desabafo de uma mãe desesperada.
Esta mãe tem um filho com deficiência, não encontra vaga num centro ocupacional!
E para quem vem a seguir, ainda vai ser pior. Aos poucos estão a reduzir os apoios aos alunos com necessidades educativas, com incapacidades. Esta mãe teve o seu filho na escola até aos 18 anos. Agora, aos 16 já são empurrados para fora da escola, com a justificação de que estes alunos não têm repetições, ou reprovações. Não contam os ritmos e os tempos de aprendizagem.
Aos 16 anos, e como não há centros ocupacionais, entregam-se às famílias. Despachados, com estes já não há gastos que pesem no orçamento. Tudo fácil para uma administração desumanizada.
Nas escolas, é um desatino com alunos com necessidades educativas. Não há espaços? Atiram-se para os sítios mais esconsos, arrumam-se nos arrumos.
No vão de escadas, com barulho e sem condições, funcionam apoios. E crianças eléctricas e sem capacidade de concentração, lá estão num espaço sem aconchego.
São professoras colocadas longe da sua residência. Deixam filhos de tenra idade. O ordenado do mês fica pelas estradas.
São colocações de professores por escassos meses para serem substituídos de seguida, desestruturando relações e rotinas, importantes para o equilíbrio destas crianças.
São professores sem especialização que caem na turma sem preparação para alunos diferentes.
São professores que apostam na roleta da sorte de um concurso com regulamentos de ocasião para serem atirados sem saberem para onde, para trabalharem sem saberem com quem, deixando para trás alunos especiais que já conheciam.
São professores inseguros quanto ao futuro, porque enredados por relatórios, fichas, burocracias inúteis que esmiúçam pormenores de alunos com necessidade educativas, quando é tão fácil de ver que casos complicados são alunos que chegam às escolas vindos de famílias desarticuladas, sem modos de estar, carentes de afecto, até de alimentação, até de roupa que agasalhe.
Mas lá das esferas da importância do poder saem exigências sem sentido e sem interesse para esses alunos. Exigências eficazes para retirar apoios a quem deles precisa.
São alunos metralhados por pretensiosa CIF (Classificação Internacional da Funcionalidade), instrumento usado para medir aquilo que na sua origem não era para medir, colocado em mãos sem preparação para seu uso, com linguagem impenetrável, utilizado com veleidades de aplicação multidisciplinar, quando o resultado final é um relatório de muitos retalhos cheio de contradições e sem sentido, mas com ares de tecnicismo e de profissionalismo.
Assim anda o ensino especial pelas escolas. Neste desatino, há quem sofra. É a mãe daquele desabafo. São os pais dessas crianças, que mesmo diferentes e muito especiais, são filhos a que se dedicam.
São os pais daquele aluno rotulado de autista que é levado a uma escola de referência para o “espectro do autismo”, longe de 40 quilómetros, percorrendo área geográfica de três municípios, para de manhã deixarem o filho e à tarde o irem buscar. É a criança que faz 80 quilómetros, os pais 160 por dia. Tanto desgaste mesmo que na escola não receba os apoios que por necessidade educativa devia de ter, ou com apoios, mas ministrados por professores ou técnicos recrutados casualmente, em situação precária e com preparação alheia às necessidades diagnosticadas.
Assim andamos. O que importa é reduzir os alunos com necessidades educativas. Retirar apoios. Poupar.
É necessário dar a estes alunos um projecto educativo que desenvolva a adaptação social, que desenvolva comportamentos de mais autonomia e de menos peso para as famílias. Preparar para a vida. Se possível, preparar para o desempenho de uma profissão.
Há normas internacionais que os nossos governantes assinaram e se comprometeram cumprir.
A Declaração de Salamanca (1994) foi assinada e é documento que os governos se comprometeram aplicar.
A Convenção da ONU (2006) que este governo assinou.
Os apoios aos alunos com necessidades educativos, a escola inclusiva são direitos adquiridos e são compromissos internacionais. Não são favores. São deveres do Estado.
O desabafo daquela mãe é um grito de revolta. Tem razão!